o que cabe em uma mala de mão
nossa relação com o dinheiro é parecida com arrumar uma mala de viagem. dois dos meus assuntos preferidos da vida em um só lugar.
Na nossa lua de mel passamos 30 dias entre Tailândia, Myanmar, Vietnã e Camboja.
No orçamento bem apertado de recém casados, não cabia despachar bagagem. Os voos entre os países (pegamos 9 no total) eram baratos, mas mal incluíam mala de mão. Além disso, ia ficar ruim arrastar uma mala grande para cima e para baixo entre praias, templos e cidades grandes.
Levei uma mala de mão e o Anderson foi com metade da dele vazia para conseguirmos comprar algumas coisinhas.
Ter passado um mês com um número limitado de peças de roupa me fez repensar muita coisa. Na época, estava começando a escrever a minha dissertação do mestrado e acabei estudando a relação entre impostos e atuação de empresas a partir de uma lente de gênero (link da dissertação aqui).
A indústria da moda é um dos melhores exemplos sobre essa intersecção e acredito que muitas provocações tiveram como faísca esse mês na Ásia.
Na volta da viagem passei 3 meses com 25 peças de roupa. Documentei o processo no meu Instagram até. Não sei se alguém ainda lembra, mas me diverti e foi uma maneira que encontrei de deixar a minha dissertação um pouco mais viva.
Passei aquele ano quase sem comprar roupa e foi um momento que repensei muito o consumo; engraçado como hoje tem tudo a ver com o meu trabalho de planejadora financeira, ainda que a partir de uma perspectiva bem diferente.
A vida não dá ponto sem nó, às vezes só demora para a gente perceber.
Faz tempo que tive a ideia do título desse texto e queria dividir essa experiência, mas foi só nessa semana, arrumando a minha mala para ir para São Paulo, que ele se desdobrou na minha cabeça.
Arrumar uma mala de mão, além de ter relação com minha vida anterior de advogada e pesquisadora também tem tudo a ver com a nossa relação com dinheiro. Fica comigo que essa volta toda vai fazer sentido, prometo.
Ano passado repetimos o feito da lua de mel e passamos 25 dias no inverno europeu, de novo com uma mala de mão e meia (Anderson coitado não tem direito a levar nada). Comecei a arrumar a mala 20 dias antes. Montei looks, pensei, repensei, teve toda uma engenharia para fazer tudo caber.
Semana passada levei a mesma mala de mão para passar 5 dias em São Paulo.
Arrumei a mala em 20 minutos.
No livro Escassez: Uma nova forma de pensar a falta de recursos na vida das pessoas e nas organizações, os autores (Sendhil Mullainathan e Eldar Shafir) comparam a maneira como lidamos com recursos escassos (dinheiro) com arrumar uma mala de viagem.
“A escassez também nos torna especialistas em arrumação de bagagem. Sem o luxo da folga, passamos a entender o valor de cada centímetro de espaço em nossas malas.”
A mala de São Paulo foi fácil. Escolhi as roupas que eu queria e coloquei todas dentro da mala, sem muito método. Eu tinha *margem* para o erro. Levei roupa a mais e trouxe de volta coisa que nem usei.
Já para a Europa, eu tive que estudar cada peça de roupa que fazia sentido levar. Não tinha o luxo da folga e nem do erro.
*Falei sobre a importância da margem no texto da semana passada sob outro aspecto. Veja aqui se quiser.*
Os autores defendem que a nossa relação com o dinheiro é parecida com arrumar uma mala.
Ter escassez de dinheiro é ter que estar constantemente arrumando uma mala de mão. Há uma preocupação constante para a conta do mês fechar, o que consome uma capacidade cognitiva e um espaço mental enorme (como arrumar a roupa de um mês em um espacinho pequeno, cansa só de pensar).
Com a energia indo para essa gestão do dia a dia, mês a mês, fica difícil ter espaço mental para traçar um plano melhor. Para incluir uma viagem, a compra de um apartamento, um passeio de final de semana. Toda a carga mental vai para fazer a conta fechar no positivo.
O ponto mais interessante é que os autores não falam sobre a falta de recurso em si. Não estamos falando só de quem ganha salários baixos e vendendo o almoço para comprar a janta - realidade muito comum no Brasil.
Tenho clientes que ganham 40 mil por mês e estão constantemente tentando fazer a mala de mão fechar. Não existe muita margem, as contas estão ali custando a ser fechadas. Fim do mês um tem que sentar em cima da mala e o outro passa o zíper.
Outros clientes que ganham 5 mil tem margem para erro, para deslizes, para fazer planos. Estão montando a reserva, economizando para uma viagem.
A escassez - que, de novo, não é falta do recurso em si - leva a um ciclo vicioso.
O foco passa a ser pagar o cartão de crédito desse mês que ficou mais alto do que o esperado e que cria uma situação de escassez para o mês seguinte.
“Ah, mas é só gastar menos.”
Bom se fosse. O fato de precisar de tanta energia para lidar com a situação de escassez do presente faz com que falte capacidade mental para enxergar uma saída.
Planejamento financeiro é sobre criar esse respiro, quebrar o ciclo e entender o que cabe, com folga, na mala de mão de cada um. A vida fica mais leve e não precisamos carregar tanto peso.
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Se você chegou até aqui, quero pedir um porfavorzinho. Escrevo textos um pouco mais longos e, por mais que eu queira me manter fiel ao meu processo, além de escrever para mim, escrevo para gerar trocas. Me conta se você chegou até o final do texto para eu entender como está sendo o resultado? Pode reagir com um emoji, me mandar uma mensagem no Instagram ou um sinal de fumaça, qualquer coisa só para eu saber que não estou falando sozinha. E vou ficar mais feliz ainda se você me contar como que o texto chegou em você. Sei que para deixar um comentário ele redireciona o app e é meio chato, mas vai me deixar bem feliz.
Com carinho,
Giulia
cheguei no fim! adoro ler seus textos :)
Mais um texto que eu não queria que acabasse <3 ansiosa pelo próximo!